Wednesday, October 13, 2004

"CATEQUESE TERMINAL" - versiculo 3

Os olhos são os de uma criança. E o sorriso e a voz. Inocência perversa. Esta criança é tão especial, tão composta de elementos proibidos, se eu a quiser olhar assim... Ele tem 15 anos, quase 16, e é como se tivesse também 30 ou 8, tanto faz, ele pode ser tudo e pode ser nada. Ele diz-me na sua invejável voz de imatura puberdade que toma duche com o irmão e é quase perturbante que ele se possa partilhar tão frivolamente com alguém tão chegado como eu nunca tive. Pois que sempre tive carência de alguém tão completamente exposto para comigo, oh misericórdia que sempre fui um desgraçado mas calar-me-ei imediatamente com tais lamúrias pois tenho fobia a enjeitados e a pobres tristes que perdem o rumo e só se lamentam. Ele diz-me o que fez à tal rapariga na tarde do penúltimo dia, e com que jovialidade o faz, a lasciva doçura do mel brotado dos olhos de terra e a vida escorrendo espérmica pelo canto da minha mais lânguida visão. Senhor, que perco o meu rumo! E ele diz-me como a ensinou a compor uma árvore de natal e a ajudou a descompô-la em três tempos e como ela lhe prometeu facilitar as coisas entrando para o recinto dos banhos e voltando radiosa a surgir trajada com um robe vermelho da cor do céu.
Judas iremos juntos, diz-me ele com a tal voz de fabulosos perdões. Iremos juntos um destes dias!
Oh sim. Iremos. Iremos juntos até ao fim do mundo, até onde a tua força me puder levar.
Ele conta-me como esteve nos braços dela por mais de hora e meia e ri-se à minha decrépita pergunta de como “lá estiveste sem parar?” - Ho Ho Ho, não Judas, respondeste. Com algumas pausas evidentemente. E eu não te acreditei, Jesus Cristo, não te acreditei por alguma coisa ou por não querer ou por não poder por uma mórbida questão de sobrevivência... NÃO, pensei. Não és tão perfeito como eu te vejo, nem é tão perfeita a tua incursão pelo pecado que combatem os teus olhos, nem pode ser tão perfeita a tua presença mesmo no mais nojento dos lugares ou na mais nojenta das acções. Serias perfeito até a vomitar as entranhas numa esquina alcoolizada pela maré alta, serias perfeito na cama de uma puta reles como ela, serias perfeito apodrecido pelo vento sobre a lágida lápide da minha própria sepultura, até aí ~ serias perfeito.
Ele conta-me como ainda se deixou ficar por um bocado e se foi “embora sem pagar!” e ri-se, mais uma vez, ele ri-se com vontade e exclama “ela é decente, só o faz comigo...”
Bom sangue!
Decente Decente Decente DECENTE ~ pode ser que o fosse, pode ser que o seja, pode ser. Mas sabendo que não me mentias eu não te acreditei ou terá sido o contrário, acreditei desde sempre mas sabia que mentias. Tudo isso me dizia ele exposto sobre a larga lage da base da cama em que dormia, ah como devia dormir então, dizia-me de sorriso vestido e sábia palavra arqueada no canto da boca, os dentes brancos e alinhados, a língua rosada na linguagem dos olhos, o mel das palavras ainda escorre e eu lembro as confidências, as poucas que tinha havido, a sua paixão pela companheira mais velha de um amigo de outras margens, não meu (ou quase), seguramente não dele, e a forma como parecia encontrar-se no leito e nas brincadeiras desta rapariga, também ela mais velha, Maria Madalena, que muito mais próxima da minha idade o preferia a ele, como todas Senhor como todas. Ou seria impressão minha?
Judas! Iremos juntos... disse-me “apenas uma vez tive um amigo como tu...” e careci de tradução. Penso agora no que queria dizer. Pois que podia Ter-me em alta estima mas nunca foi tão junto a mim como aos outros. Pedro. Sim, era Pedro o mais fiel. Mas recordo aquela declaração com as rosas do pinhal por que vivi, como os cardos da alvorada pontilhada de rubras gotas do meu sangue chorado nos olhos invisíveis de quem não vi, pois não vi qualquer olho nem ninguém jamais terei visto senão Ele. Fé! Não sei o que seja, mas te digo que também não o sabes. Tentei e agora tanto tempo depois é como se ainda tentasse ter-te como unha da minha carne pois que foste espécie de ídolo roubado aos meus pesadelos e quis que compensasses toda a atenção que te dispensei. Palerma! Não és tu, sou eu, o deste lado, o freak, o mad guy da zona sul. Judas Iscariote. Teu amigo.
Ele (tu) conta-me pouco do que se passou a seguir. Falou com uma outra fulana fechado no quarto do fundo onde parecia não haver sinal suficientemente forte da parabólica (Toca-lhe e viverá - sim, gastaste um milagre com esta futilidade, em vez de salvares um leproso) e o som roufenho da música não deixava escapar vozes nem suspiros nem gemidos e ah, só o voltei a ver à saída nesse dia. Disse-lhe adeus Jesus que já me vou. E ele disse já? Tão cedo? Mas sabia muito bem a que horas eu me ia e deve Ter pensado que me tinha deixado sozinho e que isso era uma grande desfeita para as visitas mas não fez grande caso enquanto que eu só queria rebobinar o filme e ver tudo outra vez, ouvir cada palavra que o filho de deus me tinha dirigido e cada um dos pecados que me tinha contado. Inocência perversa. Nada mais. Voltei a vê-lo à saída quando abusivamente tivemos que abrir a porta e pensei “não, que vamos surpreendê-lo em flagrante delito” mas não. Estava sentado ao pé dela, o ar grave inundado daquela estranha distracção que por vezes o invadia. Estendi-te a mão e mantiveste-a na tua durante todo o tempo da conversa e da despedida. Já? Tão cedo?
Sim Jesus. Amanhã há mais. O caminho é longo e tenho de me pôr à estrada. O caminho é tão longo que muito provavelmente ainda caminharei quando, morno, te fizeres ao leito esta noite. Esta e todas as outras, Jesus Cristo, Todas as outras.
1999

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