Tuesday, October 05, 2004

Sobre Canibalismo

A noite passada contei a um amigo que estava finalmente a entregar-me a essa arte popular que é fazer blogs. Disse-lhe que o "tema" era Canibalismo (essa metáfora), declaração que originou um interessante debate que não tentarei reproduzir, embora seja importante considerar.
Ambos sabiamos que o Canibalismo é mais interessante quanto mais funda for a metáfora. Falámos de hierarquias sociais e profissionais e até que ponto será pouco ético saltar por cima de tudo e de todos - devorando-os conscientemente - para chegarmos aos nossos objectivos. Sabemos que a sociedade põe em balanças douradas tudo o que é moral, mas para que esta ideia seja pelo menos digna de ser levada à consideração, precisamos de discutir o conceito de "moral". E esse, meus caros, é volúvel como uma impressão digital.
Será sensato dizer que cada pessoa tem a sua moral?
Para um vegetariano, pode ser imoral comer carne. As razões variam desde o desejo de equilibrar o metabolismo até ao ter tido um ouriço caixeiro chamado Sigourney quando se tinha cinco anos. Muitas vezes se diz que os vegetais não têm sentimentos. E aqui eu riposto e levanto-me com um dedo acusador apontado em frente, para dizer Ahh! Aí é que te enganas! Eu conheçi uma Couve de Bruxelas que tinha! Genéricamente, diz-se que não há depressões entre as cenouras, que as laranjas não se apaixonam e que os nabos não são assim tão nabos. As vacas, já é diferente. Está provado que as vacas têm sentimentos e, contudo, mais de metade da população mundial (a que pode, lá está) come vacas todos os dias. E não há questões morais: está morta e cozinhada, no prato, não muge, não pasta e não fui eu que a matei.
Adiante.
Porque é que não comemos gatos? Há povos que comem e dizem que são uma iguaria sem par. Para as nossas cabeças ocidentais, os gatos servem para estar a ronronar sobre o sofá. Por outro lado, na India, há sociedades que veneram as vacas ou os bezerros ou lá o que é, e que seriam incapazes de lhes tocar. Sendo assim, se não temos o direito de discriminar quem quer que seja pela sua inteligência, sexualidade, côr da pele, gosto musical ou conta bancária, quem somos nós para o fazer consoante a posição que o nosso adversário ocupa na cadeia alimentar?
Ainda somos um ecossistema. E um ecossistema quer-se democrático.
Todas estas questões podem ser muito comuns e até cliché, mas são urgentes respostas satisfatórias para que se siga em frente. No meu blog, disse eu ao Bruno, o Canibalismo será recorrente porque afinal de contas ele está em toda a parte: em casa, no trabalho, na família, no amor, nas repartições publicas, nas escolas, no IKEA, em Hollywood, no Parlamento, nos Açores, entre amigos, entre colegas e até num filme do Manuel de Oliveira.
Conclui-se, por isso, que continuamos tão predarores quanto antes. Que inventámos o fogo, a roda, o preservativo, o Papa, o caminho marítimo para a India, a Internet e a Barbra Streisand (não por esta ordem). Mas continuamos a matar como podemos, porque somos animais. Finalmente andamos em pé e perdemos os pêlos que tinham mais piada. So what? A nossa melhor invenção é a lei do mais fraco: salve-se quem puder. Ao menos assim, estamos todos de consciência tranquila. Porque o homem sempre foi um ser egoista, porque a nossa liberdade acaba onde a do outro está a começar, porque nos basta existir para condicionar a vida das outras pessoas... todos somos canibais acidentais. Resta-nos aproveitar como for possível.
Eu continuava, durante horas se fosse preciso. Mas tenho de ir - o meu assado está a arrefeçer. Até breve.

Ingrid Pitt em "The Vampire Lovers" (1970)

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

www.barcelonablogs.com/Isis

la diferencia de ser o no un caníbal es por una falta de alguna conexión en el lóbulo pre-frontal del cerebro.
Cuando ves entrevistas con caníbales, sorprende a veces la normalidad que aparentan.

November 28, 2004 at 2:10 PM  

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